terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um Devaneio

A avenida sempre movimentada ficou deserta, e eu senti vontade de atravessá-la, sem motivo algum. Veja bem, não havia necessidade alguma de fazer isso, afinal, do lado que eu estava passaria o ônibus que me levaria pra casa, e por dedução, o ônibus do outro lado me levaria pra mais longe dela... Mas não era uma necessidade o que eu sentia, e sim um desejo. Eu só não queria ficar parada naquele ponto sozinha, enquanto o vento gelado rasgava o calor que aquela blusa leve tentava manter... 
E esse mesmo vento me fazia imaginar coisas, como se eu fosse tão leve como a blusa que me cobria, ele me levaria para o meio da avenida, justamente no momento em que um carro viria em alta velocidade e não haveria como evitar um acidente fatal. Eu sei, muito dramático. "Você pesa um pouco nas tintas", me diria um pintor mais experiente, mas é justamente a experiência que me separa dele, e enquanto jovem e imatura eu provavelmente serei mais dramática e melancólica...
Bom, isso é só uma abstração, como ela diria. Eu tenho muitas dessas durante o dia, mais do que gostaria ter. Uma abstração é um pensamento ruim, não como alguns dizem sobre pensamentos ruins, que nada mais são que as verdades que você deve descobrir por si só, mas muitos não querem que você descubra... Uma abstração é um pensamento ruim porque é sempre banal e muitas vezes pode ser prejudicial - pelo menos é assim comigo...
Eu só queria um lixo pra por o papel da bala que agora está na minha boca (a bala, não o papel), mas não há nenhum por perto, porque muito provavelmente vândalos acabaram com os (poucos) lixos próximos... Vândalos devem ter muitas abstrações, isto é, se eles pensarem em alguma coisa. É estranho pensar nisso, mas se eu tenho tantas abstrações enquanto conheço alguns que nunca as têm (não que eu os tenha perguntado, mas isso é algo que você percebe nas pessoas, se elas se abstraem ou não), talvez seja possível que algumas pessoas no mundo nunca pensem - nem pro bem, nem pro mal. Mas a verdade é que eu não quero pensar em vândalos que não pensam enquanto estiver numa avenida mal-iluminada numa noite escura e gelada, sozinha no ponto de ônibus. 
Você já olhou pras casas nas ruas e se perguntou como são os lares? Veja bem, são coisas distintas. Casas, apesar de muito diferentes, são muito iguais. São compostas por cômodos, um pra se cozinhar, outro pra se lavar e um outro pra dormir, e tantos outros quantos possíveis, não necessariamente necessários, mas se você tem espaço, por que não? Sempre arranjamos utilidade pras coisas, mesmo as inúteis. É da nossa natureza isso.
Mas eu falava sobre lares, e embora lhe digam que são todos iguais, bem, esses são realmente muito diferentes uns dos outros. Mesmo que a formação familiar seja a mesma, as pessoas que o formam são muito diferentes. Eu olhava para o terraço de um apartamento, e me perguntava se aquilo próximo à porta de vidro era um violão, e se quem o tocava era uma garota de cabelos compridos e levemente ondulados, talvez meio loiros, e  se ela gosta das baladas românticas de antigamente, mas finge gostar das músicas pop atuais, por medo de não ter amigos se não for dessa forma. Veja só que mundo injusto, ela ainda terá que suportar muita coisa até descobrir que os verdadeiros amigos gostarão dela indepentemente do tipo de música que ela gostar, ou talvez seja isso mesmo que eles mais gostem nela... Mas ela ainda não sabe disso.
Bom, mas eu agora saio desse devaneio, porque o ônibus chegou, o vento não me levou para o meio da avenida pra me matar, nenhum vândalo sem pensamento apareceu para destruir lixos ou telefones públicos e  aquela garota (que teria um dos meus nomes favoritos - Sofia, Alice ou Poliana) não apareceu no terraço com seu violão para tocar uma antiga balada romântica. Eu a entendo. O vento gelado estava de cortar o coração.

Um comentário:

Ana Paula disse...

A-MEI. Sem mais.