A frase-mantra está estampada em adesivos de carros, postes, propagandas de tv. Vende camisetas, bonés, canecas, lápis: artigos comprados para, em última instância, assegurar a salvação. Garantir o green card no céu. Artigos adquiridos por uma preguiça imensa de assumir a responsabilidade pela própria vida e pelos próprios atos. Para mim, a pior desgraça da raça humana.
Jesus não salva. Nem Maomé, nem Buda, nem Iansã. O que nos salva é o esforço contínuo em detectar nossos defeitos e trabalhar arduamente para que eles cada vez menos nos definam. O que nos salva é desenvolver consciência, não delegar a existência.
Este fato é um fardo tão pesado e cruel para algumas pessoas que negá-lo e tomar o atalho da terceirização parecem as únicas saídas, as únicas verdades: “eu me ponho em suas mãos; faça o que quiser da minha vida”. Colocar-se à mercê de outro— seja ele Deus, o chefe, a mãe, o marido— é jamais caminhar com as próprias pernas; é ficar preso na roda incessante dos erros e nós internos que, por nunca terem sido conhecidos, jamais serão evitados, superados. Ignorar algo não faz com que essa coisa suma…
Auto-análise certamente dá muito mais trabalho do que creditar as mazelas da existência ao diabo, ao governo, ao vizinho ou, supremo horror, à falta de fé (dizer que alguém está na lama PORQUE não acredita em alguma coisa é tão patético quanto afirmar que alguém é cego porque merece), mas é o único caminho para nos tornamos dignos, merecedores, capazes. Humanos. Depositar a culpa no outro— no diabo, no governo, na ex— pode causar algumas frases de consolo mas denota uma trágica e patética prisão na infância mental e comportamental.
Não adianta olhar para o céu escuro e dizer que vai chover se São Pedro assim desejar. Vai chover se uma frente fria estiver chegando, motivada pela bagunça das estações, causada pelo aquecimento global, gerado pelo excesso de gases emitidos na atmosfera pelo homem e pelo desmatamento constante em todas as partes do mundo. Ter fé pode ajudar— o cérebro humano é um terreno ainda pouco conhecido –, mas não resolve nada. O que resolve é agir em posse da característica mais importante de todas e tristemente escassa nos dias de hoje: discernimento.
Discernimento para notarmos o quanto dos fatos que vivemos são de nossa própria responsabilidade. E, após isso, discernimento para saber o que fazer para consertá-los ou conservá-los.
Não dá para apontar o dedo ou levantar as mãos para os céus sem, antes, verificarmos direitinho se não somos nós mesmos a fonte do que tanto reclamamos.
Ailin Aleixo
http://revistaalfa.abril.com.br/blogs/mulher-honesta/
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