sábado, 8 de janeiro de 2011

Amy Winehouse, de mentira e de verdade



 

Amy Winehouse é uma ruína drogada, bêbada, tatuada, desdentada, esquálida, indulgente, coberta de trapos, e seu grande talento é reempacotar para os recém-chegados a música negra que fazia sucesso antes de ela nascer. Cada geração tem o Keith Richards que merece - ou, dependendo da sobrevida, seu Sid Vicious.

Como Sir Keith, Amy não é só o lixo humano que aparenta. Molambo, sim, mas com instintos comerciais sempre em dia, operacional o suficiente para manter o faturamento - essa semana, no Brasil. Doidinha, mas tem alguns milhões no banco, e quem cuida da grana são seus pais.

Winehouse, claro, não faria 10% do sucesso se fosse uma alegre loirinha, ou uma solene crioula. A graça é que ela é punk, uma sex pistol de saias, tropicando nas canelas, fumando crack, socando fãs, espargindo perdigotos na plateia. Já a viu completamente fora de órbita brincando com camundongos recém-nascidos? Não perca. Foi para isso que inventaram a internet.

É de mentira? É de mentira tanto quanto Keith ou Sid. Amy Winehouse entrou no mundo da música pelas mãos de Simon Fuller, empresário de uma longa lista de artistas pré-fabricados e criador da megafranquia “show de calouros” Idol, que rendeu American Idol e aqui, Ídolos. Seu primeiro disco foi produzido por Salaam Remi, produtor de mão cheia e com longo currículo, com acento reggae. No segundo disco, Remi ganhou a companhia de Mark Ronson, um dos produtores mais elegantes e talentosos da não tão nova geração. Bem, Sid tinha Malcolm McLaren, e Keith tinha, de cara, Mick Jagger.

Amy é uma garota judia de Londres, filha de motorista de táxi, que fazia escola de artes desde a pré-adolescência. É “rebelde”. Foi expulsa de uma escola por fazer um piercing aos 14 anos, namorava vagabundos etc. Como tantas mocinhas que se sentem incompreendidas (e como tantas mocinhas que, além disso, são feias), Amy se apaixonou pela mitologia das mulheres sofridas, que têm uma porcaria de vida porque sofrem de amor. Seus ídolos são mulheres independentes dependentes, mal-tratadas por seus machos, que chafurdam na cachaça e companhia e conseguem transmitir as feridas para as cordas vocais. O sonho é ser neta de Billie Holiday, sobrinha de Nina Simone, filhota de Janis Joplin.

Na prática, sua música estacionou entre os 60 (as garotas perigosas da gravadora Motown e similares - Ronnie Spector, Martha Reeves, Shangri-las - e as minidivas britânicas - Petula Clark!) e, preste atenção, o jazz-soul yuppie-chic de Sade.

Drogados precisam de grana fácil. Amy já estava empepinada com drogas antes do sucesso, entre o primeiro disco, Frank, aplaudido pela crítica e mais ninguém, e o fenômeno Back to Black. O som mudou no meio do caminho e o visual junto. Perdeu quilos, ganhou o coque gigante e “atitude”. Abandonou a simpatia e o sorriso fácil. Virou “bad girl” e ícone fashion, celebrada por Karl Lagerfeld. Conquistou moderninhos e caretaços. Consenso paga bem.

É punk de butique? É crooner de boate? Uma amiga que é fã de Amy me garantiu ontem que as letras são boas - não duvido e não confiro - e que espera que Amy esteja caindo pelas tabelas no show. “As letras são sobre coisas comuns. Ela não finge. Ela é aquilo ali mesmo. E tem que continuar tomando todas, porque isso é o que ela é. Quem quer vê-la toda caretinha e comportada?” Eu não. Se morrer logo, morreu, vira lenda, Sid Vicious. Se sobreviver mais uns trinta anos, duvidoso, pode emplacar como herdeira de Keith Richards, o bandalho profissional. Só a regeneração seria imperdoável.

Amy Winehouse é de mentira e de verdade, porque soa verdade. Nós nos tornamos o que somos...
André Forastieri

http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/

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