Recebo mensagem de um velho amigo que vive fora, mudando seus planos de viagem por causa da crise aérea deflagrada pelo vulcão da Islândia, que ruge sua fúria outra vez, escurecendo os céus do norte da Europa. Já não poderemos nos ver como tínhamos combinado, porque as datas vão acabar se perdendo, mas, quando a natureza cobra seu preço, não há o que se fazer. Não poderemos mais nos abraçar e lembrar como sonhávamos, porque os laços mais fortes de uma geração de amigos são os sonhos compartilhados, sem dúvida alguma. E somente aqueles que viveram a mesma fatia de vida são capazes de entendê-los ou, em última análise, de adivinhar os caminhos trilhados até eles, porque as gerações mudam as modas, as gírias, os costumes, mas mudam principalmente os sonhos ou a maneira de sonhá-los.
É mesmo curioso observar as novas gerações e a estruturação de seus sonhos. Não iniciei a crônica com o rugir do vulcão impunemente. Acredito que a consciência de que o planeta anda gravemente ferido e a constatação de que o tempo parece se esgotar muito rapidamente, agora, têm transformado radicalmente os sonhos da nova geração, tornando-os mais objetivos, mais concretos, sem nenhuma chance para aqueles sonhos-que-não-podem-ser que, outrora, preenchiam nossos dias. Talvez seja assim mesmo, eu penso, com vontade de rever o amigo. Talvez já não haja lugar para utopias delirantes e aspirações etéreas. Mas se, por um lado, a objetividade e as ambições herdadas dos vorazes yuppies do final do século passado têm seus aficionados, por outro, sinto que esse olhar para um material tão delicado acaba nos aprisionando num espaço cada vez menos tolerante. Seja como for, sonhos, ainda que de formas diferentes, são feitos da mesma matéria e vale o lembrete para aqueles que ainda não desistiram deles.
Há sonhos que nascem prematuros. Como é o caso de alguns bebês. Afoitos, eles gritam sua existência em algum lugar da mente e abrem caminho por entre a massa enevoada, querendo fazer-se ouvir, ignorantes do fato de que ainda não estão fortes o bastante para justificar o alarde. Geralmente são abandonados à própria sorte e acabam desaparecendo na bruma. Eu abandonei um bom número deles à beira da estrada e, anos depois, passo grande parte do meu pouco tempo livre tentando resgatá-los. Passamos todos, no final das contas. A tal maturidade de que tanto falavam nada mais é do que aceitar a nossa galopante fragilidade. Mas voltemos ao sonho, matéria da qual somos feitos. Aprendi que um sonho prematuro, com cuidado, desejo e afeto, pode sobreviver e tornar-se uma daquelas raras alegrias eternas. O problema é saber como organizar-se para chegar a eles, porque os costumes impõem novas regras até mesmo para esse nobre esporte que não custa nada. Como dizia Emily Dickinson, a poetisa norte-americana, “Nunca falei com Deus/Nunca fui até o céu/Para ir lá adivinho/Qual é o melhor caminho!” É assim que se faz! Bons sonhos!
Miguel Falabella na Revista Istoé de 14 de Maio de 2010 - Ed. 2114
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