sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Área VIP



A frase definitiva sobre o tema foi proferida ainda na década de 1960 por ninguém menos que John Lennon: “...e vocês, que estão aí no balcão nobre, podem aplaudir balançando as pulseiras e os brilhantes”. Ou algo assim. Os Beatles se apresentavam num teatro na Inglaterra e alguns membros da nobreza assistiam ao show de um balcão especial (uma área VIP embrionária). Lennon, o cáustico, não deixou barato.


Áreas especiais destinadas aos nobres e aos ricos são mais antigas que andar para a frente. Em concertos musicais do século 18, quando a música era patrocinada por nobres, reis ou mecenas, nada mais natural do que privilegiar aqueles que pagavam por aquilo tudo. Aliás, só endinheirados assistiam aos concertos de música clássica naquele tempo (naquele tempo?). A ralé se contentava com menestréis e saltimbancos e não se preocupava com questões como “áreas VIPs”. Tudo bem, eles também não se preocupavam com “mudanças climáticas” ou “superbactérias”.


O problema é que a música pop - e respectivas infinitas ramificações – é fruto da cultura moderna, uma música popular, produzida em escala industrial para consumo das massas (como, de certa forma, as mudanças climáticas e as superbactérias). O rock, então, nem se fale: nasceu das profundezas do proletariado norte-americano – há quem garanta que nasceu ainda antes, da sujeira dos porões dos navios negreiros –, transgressor, inventado por um chofer de caminhão caipira, que ostentava um topete brilhante e requebrava como uma mulata de escola de samba.


Então, é no mínimo um contrassenso – mais, um paradoxo – que existam áreas VIPs em shows de rock (ou de samba, de MPB, de jazz ou qualquer outro gênero musical nascido do sangue, suor, lágrimas e picardia dos escravos), já que esses gêneros são por definição populares e não elitistas. No caso específico do rock, o paradoxo chega ao limite do patético, o patetoxo (desculpem o neologismo, me baixou um Guimarães Rosa rápido): como uma música de contestação, transgressão e rebeldia pode privilegiar gente que “se acha” importante?©


Sim, os senhores de engenho (e seus filhinhos playboys e suas esposas madames e filhotas patriciolas) sempre garantiram os melhores assentos nos batuques do Senzala Hall... Comecemos por analisar o ridículo dessa expressão “VIP”. O que cazzo vem a ser “VIP”? As iniciais de Very Important Person. Pessoa Muito Importante, caso você não esteja familiarizado com o idioma inglês (eu entendo, as aulas de mandarim estão confundindo a cabeça de muita gente...).


Very Important Person. Meu deus, alguém gostaria de ser definido assim?


“Quem é você?”
“Uma Very Important Person. E você?”
“Ponha-se daqui pra fora. Já!”


Bom, pelo menos é o que eu gostaria de dizer para alguém que se apresentasse dessa maneira.
É verdade que, na minha experiência como músico (guitarrista dos Titãs há exatos 28 anos e meio), nunca consegui botar nenhum VIP pra fora nem proferir desaforos a nenhum deles diretamente. Pelo contrário, acabo por trocar sorrisos e até ofereço palhetas aos mais simpáticos. O “profissionalismo” nos obriga a aceitar certas práticas (dizia o carrasco com o chicote na mão...). Mas que a distância da plateia de verdade – aquela que pagou o ingresso pra te ver e vibra sinceramente com a tua presença –, atrapalha bastante a fruição do show, isso atrapalha. Para os músicos e para os fãs.


Nota rápida para reflexão: em shows em feiras agropecuárias, os VIPs dividem espaço com bois e vacas, já que é praxe nesses eventos montar o palco sobre os currais. Hum...


Sim, mas, por outro lado, também sou VIP. E Formador de Opinião. E Celebridade (agora, você não precisa me xingar de mais nada). E confesso, do alto de minha patetoxal experiência, que estar entre os VIPs também é um saco. Fotógrafos te perseguindo. Gente escutando o que você diz em voz baixa para publicar depois em colunas de fofoca. Naquelas áreas VIPs em que há comes e bebes, gente disputando a tapa uma taça de champanhe, um salgadinho, uma carreira de cocaína. Chatonildos de plantão te alugando enquanto The Edge executa um solo magistral.


Como diria Groucho Marx, “eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”.


Minha conclusão, depois de tudo: já que abolimos a escravidão, o que foi bem mais complicado, que tal abolir de vez essa palhaçada chamada área VIP, hein?


Never mind the bollocks! ©




Publicado na Revista Cultura de Fevereiro de 2011 (Edição nº 43)


http://www.revistadacultura.com.br:8090/revista/rc43/index.asp


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