terça-feira, 7 de setembro de 2010

Monstros

Meus monstros, até pouco tempo atrás, estavam presos debaixo da cama. São onde geralmente se prendem os monstros. Não sei se os dos outros se rebelam de vez em quando. Só sei que os meus não me deixavam em paz. Não me deixavam dormir.
Eu os prendi há muitos anos. Na época em que era mais seguro fazê-lo. Monstros adolescentes não são fáceis (como se algum adolescente o fosse). Eles costumam se acalmar com o tempo, como tudo na vida. Mas os meus, embora mais calmos, nunca deixaram que eu me esquecesse deles. Era inevitável, ao abaixar para pegar o par de sapatos, sentir dois (ou mais) olhos inquietantes me observando.
Embora a liberdade fosse a grande quimera, o tão aguardado sonho, tirá-los de lá não foi (e não é) fácil. Estão acomodados - sim, eles também. Os monstros tem medos, como todos nós. Medo da luz, da claridade, ou do que ela possa revelar. Tolo engano. Os monstros (ao menos os meus) são bem simpáticos. Educados. Até gentis. Pedem licença para sair do mundo dos monstros (debaixo da cama), e entrar no mundo dos humanos - especificamente, o meu quarto. Peço desculpa pela bagunça (que é grande), roupa jogada em cima do beliche, sapato fora da caixa, livros no chão. Eles não se incomodam. Até gostam. Parece um pouco com o mundo subterrâneo, de onde vieram.
Olhando para eles, tão normais, simples e humildes, me pergunto porque os reneguei a um castigo tão vil. Então me recordo. Tinha medo deles. Pareciam gigantes e indestrutíveis. Eram feios e maus. Não tinham dó. Seu objetivo era um só: me destruir.
Mas então descubro que era assim que eles me viam: cruel e sem piedade, poderosa e inabalável. Tinham medo de mim. Quando mostravam os dentes e as garras, era apenas um reflexo do que viam em mim.
Fomos ameaças mútuas sem saber. Inimigos não declarados. Vivíamos numa Guerra Fria particular: sem provas, só suposições.
Ao invés de monstros ferozes à procura de vingança, encontrei seres encantadores, um pouco assustados e muito perdidos, mas adoráveis mesmo assim (ou talvez justamente por isso). Vi muito de mim neles, e acho que eles acharam algo deles em mim também.
Lutei contra esses monstros boa parte da minha vida (muita ou pouca, depende de quem vê). Aprisionei-os em baixo da minha cama, simplesmente por medo deles, do que poderiam fazer. E eles, também por medo, nunca saíram de lá. Mas ninguém é feliz preso, eles com certeza não eram. Os rangidos que eu ouvia não eram de fúria, mas de tristeza, angústia. Livres, não me incomodaram mais.
Alguns já se foram. Outros estão de partida. Mas tem aqueles que não irão embora tão cedo. Estes já não dormem debaixo da cama. Preferem a cama de cima do beliche. É de onde se aproveita melhor a luz.

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