domingo, 10 de abril de 2011

Culpada

Quando ouviu a porta atrás de si bater, e viu-se pela primeira vez sozinha naquela, bateu-lhe o desespero. A casa, toda decorada e mobiliada a seu gosto, a casa nova, onde recomeçaria a sua vida. A coisa mais difícil de se acreditar. Recomeçar seria se ela quisesse esquecer o passado. E o passado era tudo que ela queria. Era duro ver aquela casa feita por e pra ela, e não se encontrar ali, não querer estar ali. Era duro não querer ter a vida que ela tinha agora.
O passado vinha a sua mente como o gosto do vinho volta a boca na hora da ressaca. Lembrar do que fora bom só lhe trazia mais confusão, tontura e dor-de-cabeça. Era inútil rememorar tudo aquilo, porque era impossível voltar no tempo.
E ela era a culpada de tudo aquilo. De tudo que podia ter sido e não foi. Do que aconteceu sem que ela quisesse, mas mesmo assim permitiu. Era mais culpada do quem havia feito, porque ela deixou que fizesse, e às vezes deixar é pior que fazer. Ela se omitiu. Isso mesmo. Pecado de omissão.
Ela viu sua vida morrer e não fez nada para mudar isso. Não tentou salvá-la. A vida que sempre sonhou gritava por socorro e ela nem se moveu. Desesperada, toda uma vida que mais parecia um conto-de-fadas de tão bom, transformava-se num pesadelo sem fim, e ela apenas olhava...
Na história ela não era nem a heroína corajosa nem a bruxa má. Ela era o que?! A covarde. A mocinha sem fala, sem ação. Preferia a bruxa à isso, com certeza.
Mas nem isso era. Incapaz de fazer uma maldade, mas capaz de aceitar passivamente todas que fossem feitas - até as que fossem contra si mesma.
Ela olhou pela janela. Terceiro andar do prédio. Alto demais? Seria possível acabar logo com aquilo? Seria certo? Justo? Seria o melhor? Mas não, ela não seria capaz. Isso exigiria o mínimo de ação da parte dela, e ela não era de ação.
Como culpada pelo crime de omissão, ela preferia a prisão perpétua à pena de morte.

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