Não é fácil deixar o hábito de formar um par. Fomos condicionados a desejá-lo, convencidos de que se trata de pré-requisito para a felicidade. Para complicar mais as coisas, há ainda os que, por equívoco ou pela própria limitação, se utilizam de argumentos psicológicos para não deixar ninguém escapar dos modelos. Para esses, maturidade emocional implica manter uma relação amorosa estável com alguém do sexo oposto. Não faltam terapeutas para reforçar esse absurdo na cabeça de seus clientes. E o pior é que eles acreditam e sofrem bastante, se sentindo defeituosos ou no mínimo incompetentes por não ter alguém.
A propaganda a favor da ideia de que só é possível a realização afetiva através da relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa é tão poderosa que a busca da “outra metade” se torna incessante e muitas vezes desesperada. E quando surge um parceiro disposto a alimentar esse sonho, pronto: além de se inventar uma pessoa, atribuindo a ela características que geralmente não possui, se abdica facilmente de coisas importantes, imaginando que, agora, nada mais vai faltar. E o mais grave: com o tempo passa a ser fundamental continuar tendo alguém ao lado, pagando-se qualquer preço, mesmo quando predominam as frustrações. Não ter um par significaria não estar inteiro, ser incompleto, ou seja, totalmente desamparado. Mas de onde vem essa idéia?
Na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida. A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego. No Ocidente aprendemos que, na vida adulta, somente através do convívio amoroso com outra pessoa nos sentiremos completos. Quem, além do ser amado, pode suprir nossas carências e nos tornar inteiros? Aí é que entra o amor romântico, que promete o encontro de almas e a fusão dos amantes, acenando com a possibilidade de transformar dois num só, da mesma forma que na fusão original com a mãe.
O único problema é que tudo não passa de uma ilusão. Na realidade, ninguém completa ninguém. Mas, ignorando isso, reeditamos inconscientemente com o parceiro nossas necessidades infantis. O outro se torna tão indispensável para nossa sobrevivência emocional, que a possessividade e o cerceamento da liberdade sobrecarregam a relação. Por mais encantamento e exaltação que o amor romântico cause num primeiro momento, ele se torna opressivo por se opor à nossa individualidade.
Entretanto, vivemos um período de grandes transformações no mundo e, no que diz respeito ao amor, observamos que o dilema cada vez mais se situa entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade, sendo que este último começa a predominar. Um sinal disso talvez seja o interesse por práticas orientais como meditação transcendental, ioga, tai chi chuan, entre outras. Enquanto tentamos nos sentir inteiros, dependendo de algo externo a nós — a relação amorosa com outra pessoa —, os orientais se voltam para dentro de si mesmos, buscando assim encontrar a sensação de estar completos.
A condição essencial para ficar bem sozinho é o exercício da autonomia pessoal. Isso significa, além de alcançar nova visão do amor e do sexo, se libertar da dependência amorosa exclusiva e “salvadora” de alguém. O caminho fica livre para um relacionamento mais profundo com os amigos, com crescimento da importância dos laços afetivos. É com o desenvolvimento individual que se processa a mudança interna necessária para a percepção das próprias singularidades e do prazer de estar só. E assim fica para trás a idéia básica de fusão do amor romântico, que transforma os dois numa só pessoa.
Uma seguidora no Twitter escreveu esta semana: “Regina, por favor, fala para as pessoas que ser solteira não é um problema! Estou cansada de explicar isso, mas não me entendem!” Esta afirmação confirma o que penso: quando se perde o medo de ser sozinho, se percebe que isso não significa necessariamente solidão.
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