quarta-feira, 27 de outubro de 2010

I'D LOVE TO CHANGE THE WORLD







Everywhere is freaks and hairies
Dykes and fairies, tell me where is sanity
Tax the rich, feed the poor
Till there are no rich no more

I'd love to change the world
But I don't know what to do
So I'll leave it up to you

Population keeps on breeding
Nation bleeding, still more feeding economy
Life is funny, skies are sunny
Bees make honey, who needs money, Monopoly

I'd love to change the world
But I don't know what to do
So I'll leave it up to you

World pollution, there's no solution
Institution, electrocution
Just black and white, rich or poor
Them and us, stop the war

I'd love to change the world
But I don't know what to do
So I'll leave it up to you

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conto Chinês

Dois monges caminhavam à beira de um riacho e viram um peixe. O primeiro monge comentou: "deve ser triste para um peixe, nunca poder conhecer o mundo como se apresenta fora d'água". O segundo monge respondeu: "se você nunca foi peixe, como você pode saber o que sente o peixe?". O primeiro monge respondeu: "se você nunca foi eu, como você pode saber o que eu sei?".

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A história de Glória, a vaca


Já em criança a vaca Glória era mais gorda do que as outras vacas. E isto foi-se acentuando à medida que crescia. Os lábios eram carnudos, o nariz largo, a cabeça tão grande como uma abóbora (por acaso era até maior) e, ainda por cima, tinha umas pernas fortes, uma barriga gorda, pêlos grossos e duros e os pés pesados.

Como não havia roupas à venda para o seu tamanho, tinha de ser ela mesma a fazê-las à mão. Fazia-as sem gosto nem grande jeito, e por isso, dentro daqueles vestidos, parecia ainda mais possante do que realmente era.

Tinha um andar atabalhoado e, quando falava, a voz era semelhante à de alguém a gritar para dentro de uma cisterna.

Glória não era modesta nem pensava tornar-se uma boa vaca leiteira como todas as vacas da sua idade. Não! Era ambiciosa e ansiava por qualquer coisa de grandioso!

Um engraçadinho qualquer, creio que a raposa, dissera-lhe que com uma voz tão bonita, devia estudar canto. Como tinha um pai rico que pagava tudo, teve aulas de música e, em seguida, deu ainda um concerto.

Todas as vacas vieram ouvir Glória cantar. Começou com A violeta na orla do caminho e esta foi também a última canção que cantou. É que, se quando falava a voz parecia que saía de uma cisterna, ao cantar, soava como dois elefantes a trombetear num regador em simultâneo com uma serra a cortar metal. A assistência tapava os ouvidos, assobiava, gritava e batia com os pés para não ter de ouvir aquela voz horrível, ou então corria em debandada pelo prado onde o concerto estava a decorrer.

Glória parou e começou a chorar.

As vacas pensaram: “É agora que ela se vai tornar uma boa vaca-leiteira!”

Mas não! Teve aulas de dança e ainda quis tentar a sorte como bailarina!

Quando se apresentou pela primeira vez, vieram ainda mais vacas vê-la dançar do que quando cantou.

Glória apareceu no palco com uma saia tão grande que dava à vontade para fazer sete toalhas de mesa. Logo ao primeiro passo, tropeçou e caiu. As vacas na assistência riram-se, mas Glória não se deixou intimidar e deu um salto. Com o peso, as tábuas do palco partiram e ela caiu, ficando presa até à altura dos braços. Os espectadores riram-se, mas cinco fortes bois subiram ao palco e ajudaram-na a sair do buraco, onde ainda continuava a dançar. Novamente em cima do palco, Glória começou a dançar perigosamente perto da boca de cena. Desequilibrou-se e caiu, aterrando exactamente em cima dos músicos que estavam a tocar no fosso da orquestra

Quando voltou a erguer-se, com dificuldade, o contra-baixo estava partido, a trompete completamente espalmada, o tambor rebentado, o acordeão rasgado em dois e o maestro, com o susto, tinha engolido a batuta. Bem se pode imaginar as gargalhadas da assistência quando a bailarina desapareceu por detrás das cortinas.

Em consequência disto, Glória, muito envergonhada, emigrou para o país dos hipopótamos. Aí dançou para os pesados e grosseiros animais, e cantou ainda algumas das suas canções.

No dia seguinte lia-se no jornal:


"A artista Glória, uma figurinha delicada e frágil, deu ontem um concerto onde também dançou. Nunca tinha sido possível no nosso país admirar uma voz tão clara e cristalina; nunca se tinha ouvido um canto tão belo. Dançou, melhor dizendo, flutuou com tal graciosidade que todas as nossas meninas-hipopótamos ficaram encantadas pela sua leveza. Esperemos que a artista Glória dance e cante mais vezes aqui entre nós, no país dos hipopótamos."




Paul Maar

Reinhard Michael (org)

Wo Fuchs und Hase sich Gute Nacht sagen

Hochstadt, Gerstenberg Verlag, 2002

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Abertura "Os Simpsons"







Seria cômico, se não fosse trágico (e muito provavelmente, verídico).

The Tiger



Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?

And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?

What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?

Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

 

William Blake


 

Para Má-Digestão: Escreva um Blog

Ainda tentando "engolir" a reprovação na 2ª prova. Não, "engolir" não, "digerir". Porque engolir não foi uma opção: ela desceu goela abaixo, rasgando tudo como água gelada quando se está com amigdalite, faringite, laringite e todos os "ites" que doerem nessa hora. Mas digerir, digerir não é automático, não senhor. Nosso estômago que decide se aceita ou não o que desceu. Na maioria das vezes ele é legal e aceita tudo numa boa. Às vezes ele não está nos seus melhores dias, e a gente também não ajuda, então ele manda de volta (isso mesmo, assim mesmo). Mas tem vezes (raras vezes, graças a Deus) que o estômago não se decide sobre o que vai fazer com o que está nele, e aí aquilo fica atravessado.

Se estivéssemos falando de comida, a má digestão do que eu comi há vinte dias já estaria resolvida (por bem ou por mal). Mas quando são situações que ficam atravessadas no estômago, descobri que sal de fruta e chá de boldo não dão jeito.

Já aconteceu de sentir uma dor muito forte (e nem precisa ser de estômago, pode ser qualquer uma, desde que seja forte), mas não tomar remédio, pra ver se ela passa - ou diminui - sozinha?! Acho que foi mais ou menos o que aconteceu comigo. Precisei de um tempo(ão) pra conseguir... ahn... hum... "administrar" a dor. Ela foi intensa na hora, enfraquecendo depois, mas continuou por um bom tempo. E é aí que eu me dei conta do erro: não tinha ido embora, só tinha enfraquecido. A dor acostumada. "Dói, mas já estava doendo antes, agora até é suportável." E continua doendo, e vai se levando, porque é dorzinha, e daqui a pouco passa. Mas a dorzinha, diferente da dorzona, não gosta de ser notada, nem ao menos mencionada. Passam-se os dias, e ela permanece ali, imperceptível, quase invisível, mas presente.

Há dores que se curam sozinhas. Outras que precisam de auxílios. Há aquelas que não se sabe a cura conhecida. Mas o tempo (sim, esse que brinca conosco, de passar tão rápido, e ao mesmo "tempo", tão devagar) ele há de remediar o que não tem remédio. E se não cura a dor, pelo menos a enfraquece.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ode à bunda dura

“Tenho horror a mulher perfeitinha. Odeio qualquer uma que fique maravilhosa num biquíni. Sabe aquele tipo que faz escova toda manhã, está sempre na moda e é tão sorridente que parece garota propaganda de processo de clareamento dentário? E, só pra piorar, tem a bunda dura feito pão francês com mais de uma semana? Pois então, mulheres assim são um porre. E digo mais: são brochantes.

Você, homem, dirá que estou louca, sou despeitada e, provavelmente, baranga. Na boa, pense o que quiser, mas posso provar minha tese com grande tranqüilidade, ponto a ponto. Quer ver?

A dondoca faz escova toda manhã: fulaninha acorda às 6 da matina pra deixar o cabelo tão liso feito pau de sebo e à prova de furacão. Nisso, ela perde momentos imprescindíveis de rolamento na cama, encoxamento do namorado, pegação, pra encaixar-se no padrão “Alisabel é que é legal”. Burra.

A fofucha anda impecavelmente na moda, o que significa igual a todas as amigas: estilo pessoal, pra ela, é o que aparece nos anúncios da revista da Daslu. Você vê-la de shortinho, camiseta surrada e cabelo preso? JAMAIS! O que indica uma coisa: ela não vai querer ficar desarrumada nem enquanto estiver transando. É capaz até de fazer pose em busca do melhor ângulo perante o espelho do quarto. Credo.

A lindinha exibe um sorriso incessante: ela mora na vila dos Smurfs? Está fazendo treinamento pra Hebe? Sou antipática com orgulho – só sorrio para quem provoca meu sorriso. Não gostou? Problema seu. Isso se chama autenticidade, meu caro. Coisa que, pra perfeitinha, não existe. Aliás, ela nem sabe o que a palavra significa. Coitada.
A queridona tem a bunda pétrea: as muito gostosas são, infalivelmente, muito chatas. Pra manter aquele corpão, comem alface e tomam isotônico, portanto não vão acompanhá-lo nos pasteizinhos nem na porção de bolinho de arroz do sabadão. Bebida dá barriga e ela tem HORROR a qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba onde começa a pornografia: nada de tomar um bom vinho ou encarar uma pizza de mussarela. Cerveja? Esquece! Melhor convidar o Jorjão.

Pois é, ela é um tesão. Mas não curte sexo porque desglamouriza, se veste feito um manequim de vitrine, acha inadmissível você apalpar a bunda dela em público, nunca toma porre e só sabe contar até 15, que é até onde chega a seqüência de bíceps e tríceps. E você reparou naquela bunda? Meu Deus…

Legal mesmo é mulher de verdade. E daí se ela tem celulite? O senso de humor compensa. Pode ter uns quilinhos a mais (geralmente eles só existem na opinião dela), mas é uma ótima companheira de bebedeira. Pode até ser meio mal-educada quando você larga a cueca no meio da sala, mas adora sexo. Porque celulite, gordurinhas e desorganização têm solução (e, às vezes, nem chegam a ser um problema). Mas ainda não criaram um remédio pra futilidade. Nem pra dela, nem pra sua”.

 
Texto muitas vezes creditado a Arnaldo Jabor, mas que na verdade foi escrito por Ailin Aleixo.

http://revistaalfa.abril.com.br/blogs/mulher-honesta/

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Enjoy The Silence

Words like violence
Break the silence
Come crashing in
Into my little world
Painful to me
Pierce right through me
Can't you understand
Oh my little girl

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Vows are spoken
To be broken
Feelings are intense
Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are meaningless
And forgettable

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Depeche Mode





Quero namorar!

Milena, 38 anos, um filho adolescente, está separada há quatro. Tenta, sem conseguir, encontrar um homem para namorar. Sozinha, ou com as amigas, vai a festas, bares, ou qualquer outro lugar em que imagine haver homens disponíveis. Talvez sua busca seja tão intensa que assuste os possíveis pretendentes. Um dia, no meu consultório, desabafou: “Ando muito desiludida com tudo, acho que tenho algum defeito. Já saí com vários homens, mas eles logo desaparecem. Não consigo engrenar um namoro. Para mim, a vida só tem graça se eu estiver vivendo um romance; preciso ter alguém que me complete. Estar sem um par amoroso ao lado faz com que eu me sinta desvalorizada, jogada fora, como um traste que ninguém quer.”

Não é fácil deixar o hábito de formar um par. Fomos condicionados a desejá-lo, convencidos de que se trata de pré-requisito para a felicidade. Para complicar mais as coisas, há ainda os que, por equívoco ou pela própria limitação, se utilizam de argumentos psicológicos para não deixar ninguém escapar dos modelos. Para esses, maturidade emocional implica manter uma relação amorosa estável com alguém do sexo oposto. Não faltam terapeutas para reforçar esse absurdo na cabeça de seus clientes. E o pior é que eles acreditam e sofrem bastante, se sentindo defeituosos ou no mínimo incompetentes por não ter alguém.

A propaganda a favor da ideia de que só é possível a realização afetiva através da relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa é tão poderosa que a busca da “outra metade” se torna incessante e muitas vezes desesperada. E quando surge um parceiro disposto a alimentar esse sonho, pronto: além de se inventar uma pessoa, atribuindo a ela características que geralmente não possui, se abdica facilmente de coisas importantes, imaginando que, agora, nada mais vai faltar. E o mais grave: com o tempo passa a ser fundamental continuar tendo alguém ao lado, pagando-se qualquer preço, mesmo quando predominam as frustrações. Não ter um par significaria não estar inteiro, ser incompleto, ou seja, totalmente desamparado. Mas de onde vem essa idéia?

Na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida. A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego. No Ocidente aprendemos que, na vida adulta, somente através do convívio amoroso com outra pessoa nos sentiremos completos. Quem, além do ser amado, pode suprir nossas carências e nos tornar inteiros? Aí é que entra o amor romântico, que promete o encontro de almas e a fusão dos amantes, acenando com a possibilidade de transformar dois num só, da mesma forma que na fusão original com a mãe.

O único problema é que tudo não passa de uma ilusão. Na realidade, ninguém completa ninguém. Mas, ignorando isso, reeditamos inconscientemente com o parceiro nossas necessidades infantis. O outro se torna tão indispensável para nossa sobrevivência emocional, que a possessividade e o cerceamento da liberdade sobrecarregam a relação. Por mais encantamento e exaltação que o amor romântico cause num primeiro momento, ele se torna opressivo por se opor à nossa individualidade.

Entretanto, vivemos um período de grandes transformações no mundo e, no que diz respeito ao amor, observamos que o dilema cada vez mais se situa entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade, sendo que este último começa a predominar. Um sinal disso talvez seja o interesse por práticas orientais como meditação transcendental, ioga, tai chi chuan, entre outras. Enquanto tentamos nos sentir inteiros, dependendo de algo externo a nós — a relação amorosa com outra pessoa —, os orientais se voltam para dentro de si mesmos, buscando assim encontrar a sensação de estar completos.

A condição essencial para ficar bem sozinho é o exercício da autonomia pessoal. Isso significa, além de alcançar nova visão do amor e do sexo, se libertar da dependência amorosa exclusiva e “salvadora” de alguém. O caminho fica livre para um relacionamento mais profundo com os amigos, com crescimento da importância dos laços afetivos. É com o desenvolvimento individual que se processa a mudança interna necessária para a percepção das próprias singularidades e do prazer de estar só. E assim fica para trás a idéia básica de fusão do amor romântico, que transforma os dois numa só pessoa.

Uma seguidora no Twitter escreveu esta semana: “Regina, por favor, fala para as pessoas que ser solteira não é um problema! Estou cansada de explicar isso, mas não me entendem!” Esta afirmação confirma o que penso: quando se perde o medo de ser sozinho, se percebe que isso não significa necessariamente solidão.

Regina Navarro Lins: Psicanalista e escritora, autora de A Cama na Varanda e mais nove livros sobre relacionamento amoroso. Colunista do IG e do jornal O Dia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Budapeste

Tirei férias. Longas e merecidas. Trabalhei tanto nos últimos meses que as coisas começaram a perder o sabor e isto é sempre um sinal de perigo, de modo que arrumei a mala e ganhei estrada, furei mundo, como me disse uma vez Tonho, no agreste de Pernambuco. Fui à cata de alguma nova magia, de algum novo interesse, porque às vezes a gente perde o rumo e resolve parar de chofre, como se a imobilidade pudesse resolver alguma coisa. Perdemos a direção e simplesmente nos deixamos ficar, à espera de alguma coisa da qual não fazemos a mais tênue ideia. É puxado! A insatisfação com um objetivo em mente é uma coisa, agora sentir-se insatisfeito, sem nenhuma concretude nos próprios desejos, é de levar qualquer um à loucura. Mover-se, nessas horas, costuma dar algum resultado. Sair é saudável. De modo que acabei num trem em direção à Hungria, na companhia de amigos, todos com os olhares perdidos na paisagem que ia se descortinando à passagem do comboio.

Há qualquer coisa cinematográfica nos trens que incita nossa imaginação. Há, nos vagões que cortam a cena, uma ideia de aventura que se sobrepõe à monotonia de uma longa viagem, ainda que as janelas hoje em dia sejam panorâmicas e a natureza tenha por costume quase sempre oferecer seu melhor. Eu resolvi olhar as pessoas, porque gosto de inventar histórias para elas, e fumei um cigarro na plataforma da estação de Tatabánya, tentando descobrir um olhar cúmplice, alguém que estivesse disposto a me contar alguma história, mas não fui correspondido em meus anseios. Aliás, à exceção dos empregados do hotel, não encontramos muita gente disposta a nos contar histórias tantas vezes ouvidas. Há uma urgência de futuro no Leste Europeu que ainda esbarra nos inchaços provocados pelos anos de socialismo soviético. Vinte anos não foram o bastante para arrancar do inconsciente coletivo a insegurança e o medo, após anos de estado totalitário.

Em Budapeste, eu tinha desistido da ideia de buscar gente e já estava me contentando em visitar apenas os palácios e museus (como diz um amigo meu, a gente acaba viajando para visitar a casa dos ricos), quando resolvemos ir a um banho público, que data do século XII e cujas águas termais têm ao que parece imenso poder de cura. Era domingo e as famílias banhavam-se unidas, aproveitando o feriado. Eu estava mergulhado numa piscina de águas muito quentes que cheiravam a enxofre, quando uma senhora muito clara desceu
as escadas, apoiada no corrimão, e veio sentar-se ao meu lado. E ela, que se chamava Jolán e tinha 78 anos, contou-me todas as histórias que eu queria ouvir, num inglês precioso (ela tinha sido tradutora toda a sua vida). Jolán enterrou seus sonhos de conhecer o mundo, porque sua geração saiu da guerra para o domínio soviético, de modo que ela achou melhor enterrar o sonho e esperar.
– Esperar o quê? – eu perguntei, preocupado com o excesso de tempo mergulhado naquelas águas.
– Que o pesadelo acabasse – ela me disse e, ato contínuo, levantou e ordenou que mudássemos de piscina.
– E foi muito difícil esperar? – eu ainda perguntei, antes de segui-la para dentro de uma piscina gelada.
– Muito – ela me disse, e afundou nas águas glaciais. Depois, veio à tona e me sorriu. – Mas é sempre difícil, não é?
Eu não respondi. Tomei coragem e afundei nas águas geladas. Nadei até o outro lado, tentando afugentar o frio, e depois, quando eu a procurei, ela já não estava mais onde eu a tinha deixado. Desaparecera no meio de tanta gente. Sem dúvida, cansou-se de esperar.
Miguel Falabella