quarta-feira, 30 de junho de 2010

Fervendo?!


Você também está transbordando?


Então faça exatamente o que você faria com essa chaleira: tire-a imediatamente do fogo.
Há vários modos de tirar a chaleira do fogo. Um deles consiste em adiar por uma semana a resolução de seus problemas. Aja como se eles não existissem. Há poucos problemas que não possam esperar uma semana. Quem sabe, você terá a surpresa de ver que eles se resolveram sozinhos. Aproveite a mesma semana para deixar de lado pensamentos e sentimentos que fazem ferver, como ambição, sonhos impossíveis, ressentimentos etc. E, como em geral sua pior inimiga é você mesma, tente por uma semana ao menos ser boa para consigo própria, ser tolerante, até meio distraída. no fim da semana, a água da chaleira esfriou um pouco, desce de nível. Você terá restabelecido o equilíbrio.




*Publicado originalmente no jornal Comício, em 15 de maio de 1952 e encontrado no livro Correio Feminino, de Clarice Lispector*

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Barulho da Carroça

Certa manhã, meu pai convidou-me a dar um passeio no bosque e eu aceitei com prazer. 
Ele se deteve numa clareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou:
- Além do cantar dos pássaros, você está ouvindo mais alguma coisa? 
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi: 
- Estou ouvindo um barulho de carroça. 
- Isso mesmo, disse meu pai. É uma carroça vazia ... 
Perguntei ao meu pai: 
- Como pode saber que a carroça está vazia, se ainda não a vimos? 
- Ora, respondeu meu pai. É muito fácil saber que uma carroça está vazia, por causa do barulho. 
Quanto mais vazia a carroça maior é o barulho que faz.
Tornei-me adulto, e até hoje, quando vejo uma pessoa falando demais, grossa, inoportuna, interrompendo a conversa de todo mundo, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai dizendo:
"Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz..."

Autoria desconhecida

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Cólica

Quem faz propaganda de absorvente é homem. Com certeza. Aposto meu salário de um ano nisso. E a modelo que aceita participar do comercial não menstrua. Toma remédio pra não menstruar, sei lá, ou retirou útero e ovários (coitada - ou não...). Você vê um comercial que diz pra você andar com confiança "naqueles dias". Naqueles dias eu não ando com confiança nem se estiver usando uma fralda geriátrica. Que dirá usando um negócio que não se adapta a minha calcinha (que não, não é enfiada no rego. Ela deve ser igual a calcinha da sua avó - isso se sua avó não for mais uma daquelas modernosas, piores que as netas na escolha de lingerie #nadacontra). E que não gruda direito. Além de ter que arrumar a calcinha, tem que arrumar o absorvente grudado (ou quase) na calcinha. Tenha dó.
"Que assunto delicado..." Me diga o que tem de delicado sangrar pelas pernas enquanto um anão alojado no seu útero fica marretando as paredes dele. Aliás, grandíssimo filho-da-mãe esse anão. Você mora dentro de mim!!! Eu te alimento, te esquento, te dou moradia!!! Embora você não seja meu filho (o que me leva a te perguntar: o que faz no meu útero se você não é meu filho?! fora daí já!!!) eu te trato bem. Se não tratasse, você já teria ido embora, garanto. Ou morrido (hum... poderia fazer isso... não, não, muito trabalhoso, e pode acarretar danos pra mim... isso sem contar que te tratando bem você já me agradece assim, imagina se não tratar... morro antes de conseguir te matar...) Ah! você marreta as paredes da sua própria casa!!! Me diga pra onde você vai quando acabar com ela?! Pros rins?! Pra bexiga?! (não dá idéia...)
Só sei que cólica menstrual é de matar... Chamava minha mãe fácil... "Mãe!!! vem aqui me dar colo..." Aliás, já repararam como é bom ficar na posição fetal quando se está com cólica?! É vontade de voltar pra lá, pro útero (da mãe, é claro), livre de problemas, de cólicas, de sangue...
Antes de morrer, juro que mato o desgraçado que me inventa propaganda de absorvente... Não tem mãe, irmã, tia, prima, namorada, esposa, qualquer tipo de mulher, na vida do infeliz?!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Fim

Um dia acordei sabendo que tinha terminado.
Assim, sem mais nem menos, desavisado.
Sabia só que o que era eterno acabou,
Quem amava fingia que não amou.

E nesse dia não houve choro nem riso.
Sem medo da solidão ou do compromisso.
Apenas uma parte de mim que partia,
apenas uma lembrança que se perdia.

Eu não tentei entender o que estava acontecendo.
Não procurei mágoas pra ficar remoendo.
Eu simplesmente percebi que tinha chegado ao fim,
E em vez de pensar em você, eu pensei em mim.

Um dia após o outro, e uma noite entre os dois.
Estou vivendo o agora, não penso no depois.
Terminar o que ruia me tornou mais segura.
E assim o meu veneno é também a minha cura.

Riso Amargo

Riso amargo
é quando rimos das próprias desgraças
porque não há força suficiente pra gritar de raiva
nem é situação oportuna pra chorar de desespero.

é riso (quase) de deboche,
(falso) desprezo pela situação atual;
fé de que se cumpra a promessa:
"um dia estaremos rindo disso tudo".

E antes que se transforme na gargalhada insana dos loucos,
daqueles que perderam o juízo diante da agonia a que são apresentados,
um último suspiro para não perder a cabeça e explodir,
eu faço graça do meu sofrimento e solto um riso amargo.